Eu e o João Vieira fizemos o que quisemos: um espaço que fundisse uma “impossibilidade”, circo romano e parlamento, arena e tribunal democrático, “espectáculo” da precariedade humana e lei da vida num confronto desigual, mas sempre tentativa de equilibrar os enfrentares por vir, de os deixar abertos ao entendimento das motivações e causas. Para quem entra no Espaço, quisemos que estivesse numa situação equilibrada, perto mas também em posição de clarividência na escuta, essa dupla missão de ver e ouvir. O que nesta representação se faz do lado de lá, no Palácio fabril da Morte. Somos seus convidados. Este foi o último cenário do cenógrafo. Foi uma aventura longa e precisa, durou dois anos. Feita de pausas e arranques. E como o João diz, chegando ao fim, chegámos, pelo menos, a uma nova pausa. Creio que é isso: uma pausa activa, em que dentro de nós laboram imagens e sensações que voltam sempre, mesmo que estejam algures num ponto impreciso da subjectividade retrospectiva e das emoções, memória presente, inevitável passado a espalhar a sua luz e os seus enigmas, as suas arestas e dores. Um magnífico cenário, a meu ver. Feito com muito pouco e feito também por um grande construtor, um príncipe do palco.
Fernando Mora Ramos
Excerto de “O Cenário”. In Letra M: [Programa]. Porto: Teatro Nacional São João, 2009. p. 15.
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