Este é o blogue de um espectáculo de teatro. É importante retê-lo porque a necessidade de o fazer se prende à utilidade particular a que se destina: na espuma dos dias o que é essencial vai-se como isso mesmo, espuma. E Letra M fala da vida, da criatura humana, porque fala da inevitabilidade do fim da vida, de como é irremediável a morte.
O espectáculo debruça-se sobre um desejo de eternidade utópico que persegue o homem desde os primórdios da razão. Mas não o faz no plano de uma ambição de rivalizar com os deuses ou com Deus. Fá-lo no plano do amor, de um desejo de viver o amor como um absoluto, de uma vontade de racionalidade fundada na fraternidade e na alegria, essas qualidades que se provam como reais e que a vida também pode conter, por estranho que o pareça nas circunstâncias actuais, imersos na destruição, na fome, na miséria e pior ainda, nos países ditos civilizados, na pior das venalidades e corrupção generalizados.
Letra M pretende fazer o que o texto que dá lugar à representação propõe: um debate de argumentos, uma luta de ideias, um combate por perspectivas válidas fundado nas possibilidades perscrutadas e válidas do humano, da humanidade livre potencial. É essa a proposta que vos fazemos: bloguem connosco sobre as matérias que a peça propõe. São vitais e mesmo vindas de um remoto 1401, altura da sua escrita, nunca gritaram tão alto as suas verdades. O que não está na ordem do dia. Falo das verdades e da Verdade, esse fenómeno que as camadas de realidade ocultam como um ouro que se não alcança. Já Brecht falava das cinco dificuldades de a dizer, à verdade, risco de vida fazê-lo, num tempo em que ela parece impossível e a mentira rende o que a verdade impede e dói, avessa ao lucro explorador e brutal.
Lucremos com as ideias que nos propõe Saaz, pensamento em acção emergindo no fogo da luta. Sigamos Saaz, esse humanista antes do tempo, desafiador do Deus único, ausência inatingível. Tentemo-las aqui, às ideias carregadas de dúvida e propósitos futuros, e a partir do modelo do diálogo, um diálogo de monólogos contrapostos.
É isso: querem contracenar connosco os vossos monólogos críticos e fraternos?


Fernando Mora Ramos


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21 de janeiro de 2010

Fizemos o que quisemos


Eu e o João Vieira fizemos o que quisemos: um espaço que fundisse uma “impossibilidade”, circo romano e parlamento, arena e tribunal democrático, “espectáculo” da precariedade humana e lei da vida num confronto desigual, mas sempre tentativa de equilibrar os enfrentares por vir, de os deixar abertos ao entendimento das motivações e causas. Para quem entra no Espaço, quisemos que estivesse numa situação equilibrada, perto mas também em posição de clarividência na escuta, essa dupla missão de ver e ouvir. O que nesta representação se faz do lado de lá, no Palácio fabril da Morte. Somos seus convidados. Este foi o último cenário do cenógrafo. Foi uma aventura longa e precisa, durou dois anos. Feita de pausas e arranques. E como o João diz, chegando ao fim, chegámos, pelo menos, a uma nova pausa. Creio que é isso: uma pausa activa, em que dentro de nós laboram imagens e sensações que voltam sempre, mesmo que estejam algures num ponto impreciso da subjectividade retrospectiva e das emoções, memória presente, inevitável passado a espalhar a sua luz e os seus enigmas, as suas arestas e dores. Um magnífico cenário, a meu ver. Feito com muito pouco e feito também por um grande construtor, um príncipe do palco.

Fernando Mora Ramos


Excerto de “O Cenário”. In Letra M: [Programa]. Porto: Teatro Nacional São João, 2009. p. 15.

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